quinta-feira, 9 de agosto de 2012

ROMÃO E JUSTINA

O que é o amor? Como acontece? Porque? O que acontece entre os dois quando os olhares, as mãos, o estômago, o pulso, a respiração se alteram? Ou quando um cúmplice ‘sim’ permite a intimidade de corpos nus? Energias vitais se cruzam, se entrecruzam que a vida precisa continuar sua tessitura no tempo.
Ele havia muito estava só, já cozinhara arroz com caju e sozinho degustara com tainha frita. Já perdera muito suor nas rodas de capoeira e adquiriu calos socando o meião no Tambor de Crioula. As pedras das ruas Portugal, Catarina Mina, da Estrela e becos afluentes testemunham seus passos solitários em domingos desertos.
Ela sempre elegante desfila no espaço de paralelepípedos de salto alto, perfuma-se com essência de Pomba Gira e adentra a roda de coreiras com intimidade característica de quem sabe o que faz, sempre só, sabe-se que é casada e algumas raras vezes é vista com o marido, se enfia no mundo místico dos colares e velas, promessas e devoções é gentil, graciosa, querida por todos.
Toda quinta-feira, n’A Vida é Uma Festa ele no meião, ela dançando acendem a química secreta dos gestos despercebidos ao grande público. Olha o Alberto aí, vamos fumar um com ele, silencioso como um Exú ele desenchava a diamba e cuidadosamente prepara um baseado ela se põe em lótus, a casa enxameada de gente é o tom da conversa enquanto sorvem a fumaça.
Durante meses, anos, ele a reverenciara, puxara para ela o banco, posicionara o espelho, no período chuvoso levara-a nos braços para que não molhasse os pés, no período do verão acompanhara-a até a Ponta d’Areia pela madrugada para aplicar-lhe massagens, nos domingos passeios por sítios, trilhas, nos dias comuns um Quixote mimando Dulcinéia. Como a água que lambe a pedra, tanta dedicação minara a resistência dela aos desejos que afloravam e a pedra outrora tão convicta de sua dureza é agora uma lama mole incapaz de qualquer resistência.
A pólvora da notícia aqueceu as conversas, muitos se indignaram, outros disseram não é assunto meu, o certo é que o oculto vinha a luz e provocava alergias ou sinergias. Os gestos se tornaram claros, o afeto visível dos dois estilhaçava qualquer segredo.
Ele que durante todo o período da conquista aceitara que ela, dançarina que é, dançasse em shows, mostras, tambor onde bem quisesse agora em pleno romance, quando não só os olhares, mas o corpo dela se contorcia de prazer ao ser montada enchia-se de ciúmes e de borduna em riste afastava qualquer amigo que dela se aproximasse, furou os pneus do carro do marido dela, e sentia ganas de espancá-lo, se ela ria lá estava ele ao lado marcando presença, se dançava ele impedia que ela continuasse.
Alberto não aguento mais, disse ela, tive que dar um basta, é louco e  ria-se, sou casada esse louco quer bater no meu marido, onde já se viu.
Mais tarde, no tambor se reinicia os gestos da química secreta, fim de noite, lá estão os dois.



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