O que é o amor? Como acontece? Porque? O que acontece entre
os dois quando os olhares, as mãos, o estômago, o pulso, a respiração se
alteram? Ou quando um cúmplice ‘sim’ permite a intimidade de corpos nus?
Energias vitais se cruzam, se entrecruzam que a vida precisa continuar sua
tessitura no tempo.
Ele havia muito estava só, já cozinhara
arroz com caju e sozinho degustara com tainha frita. Já perdera muito suor nas
rodas de capoeira e adquiriu calos socando o meião no Tambor de Crioula. As
pedras das ruas Portugal, Catarina Mina, da Estrela e becos afluentes
testemunham seus passos solitários em domingos desertos.
Ela sempre elegante desfila no
espaço de paralelepípedos de salto alto, perfuma-se com essência de Pomba Gira
e adentra a roda de coreiras com intimidade característica de quem sabe o que
faz, sempre só, sabe-se que é casada e algumas raras vezes é vista com o
marido, se enfia no mundo místico dos colares e velas, promessas e devoções é
gentil, graciosa, querida por todos.
Toda quinta-feira, n’A Vida é Uma
Festa ele no meião, ela dançando acendem a química secreta dos gestos
despercebidos ao grande público. Olha o Alberto aí, vamos fumar um com ele,
silencioso como um Exú ele desenchava a diamba e cuidadosamente prepara um
baseado ela se põe em lótus, a casa enxameada de gente é o tom da conversa
enquanto sorvem a fumaça.
Durante meses, anos, ele a
reverenciara, puxara para ela o banco, posicionara o espelho, no período
chuvoso levara-a nos braços para que não molhasse os pés, no período do verão
acompanhara-a até a Ponta d’Areia pela madrugada para aplicar-lhe massagens,
nos domingos passeios por sítios, trilhas, nos dias comuns um Quixote mimando
Dulcinéia. Como a água que lambe a pedra, tanta dedicação minara a resistência
dela aos desejos que afloravam e a pedra outrora tão convicta de sua dureza é
agora uma lama mole incapaz de qualquer resistência.
A pólvora da notícia aqueceu as
conversas, muitos se indignaram, outros disseram não é assunto meu, o certo é
que o oculto vinha a luz e provocava alergias ou sinergias. Os gestos se
tornaram claros, o afeto visível dos dois estilhaçava qualquer segredo.
Ele que durante todo o período da
conquista aceitara que ela, dançarina que é, dançasse em shows, mostras, tambor
onde bem quisesse agora em pleno romance, quando não só os olhares, mas o corpo
dela se contorcia de prazer ao ser montada enchia-se de ciúmes e de borduna em
riste afastava qualquer amigo que dela se aproximasse, furou os pneus do carro
do marido dela, e sentia ganas de espancá-lo, se ela ria lá estava ele ao lado
marcando presença, se dançava ele impedia que ela continuasse.
Alberto não aguento mais, disse
ela, tive que dar um basta, é louco e
ria-se, sou casada esse louco quer bater no meu marido, onde já se viu.
Mais tarde, no tambor se reinicia
os gestos da química secreta, fim de noite, lá estão os dois.
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