quinta-feira, 29 de setembro de 2011

IRMÃOS


Mudaria pós tudo: Campos
Corpo poesia.
Cor poesia.
Cor pó és.
Corpo és.
Cicias em abril azul e chuvas,
avaro, vário, várzeas.
CamPos HereSia.
Cam pos here sia.
Pos he sia.
Poesia.

O FRUTO DA IRA É DOCE

terça-feira, 27 de setembro de 2011

EU SOU NORMAL

Agora que nada mais estranhho e
tudoemmim é-me
defácil reconhecidoentendimento
percebo o cosmos
que me fez únicomomum
igual porque desigual
entre outros únicos e díspares

O FRUTO DA IRA É DOCE


segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A LENDA DO REI SEBASTIÃO – A FUNDAÇÃO DO MARANHÃO







A LENDA DO REI SEBASTIÃO – A FUNDAÇÃO DO MARANHÃO
(apontamentos para teatro e bonecos)
        
Conta a História que depois da batalha de Al Qui Sebar o Rei Sebastião veio dar nas terras do Maranhão e se encantou.   

Aqui índios, brancos e negros constroem um grande povo: brincantes das várias etnias dançam, além dos clássicos branco-negro-índio, nordestinos, gaúchos, orientais...

 ... e à noite de lua cheia nas praias dos lençóis o touro encantado passeia vigoroso e feliz.

- Quer dizer, passeava.

O DRAGÃO DA MALDADE 

Porque numa noite em que grossas nuvens encobriam a lua cheia, dissimulado, o dragão da maldade pôs sela e freio no touro.

Abateu-se sobre o povo do Maranhão uma série de flagelos:

1.   Flagelo das promessas.
Vou trazer a riqueza-  Comigo todo mundo vai ser rico
Vou desenvolver- Vou distribuir pra cada um  um carro, uma casa, e um cartão de c´redito
e o povo acreditou, bateu palmas,

2.   Flagelo das baionetas.
Sustentado por muito  quepes e fuzis durante décadas o dragão espalhou fome, terror, no meio do povo, deixando-o espoliado e pobre.
O touro magro e faminto mal sustentava o peso do dragão e seu baú de moedas de ouro.

3.   Flagelo dos herdeiros
Do ventre do Dragão nasceu uma Serpente de três cabeças, uma fêmea dominante e duas machos, vigorosas e famintas. O quarteto se apoderou de toda a riqueza

Tudo indicava que o rei Sebastião e sua tripulação iria afundar para sempre.
Nas noites de lua cheia o touro não mais se encantava
só se ouvia as hórridas risadas do Dragão da Maldade e sua prole.


O HERÓI

Durante anos o povo preparou um guerreiro para enfrentar o Dragão e foram muitas as batalhas enquanto o Dragão hipertrofiava desenvolvendo enormes tentáculos o guerreiro e seus capitães  afiavam a lança para o golpe final

Naquela noite sob uma esplendorosa lua cheia o Dragão percebeu o Herói e sem vacilação mandou Hidra atacar.
O Herói munido da espada que lhe dera o povo desfere um golpe perto da cabeça fêmea. Ela sangra.

A REAÇÃO

Percebendo que Hidra está mortalmente ferida. O Dragão da Maldade movimenta  um de seus tentáculos e lança o golpe traiçoeiro. O Herói cai.
A risada do Dragão da Maldade é ouvida. Hidra é socorrida.
Continua aprisionado o Touro Encantado.

A BATALHA FINAL

O Dragão da Maldade sabe que está próximo o confronto final. Prepara a carga máxima.
Ele e Hidra juntos.
O povo prepara seus Heróis.
Nesta lua cheia o Touro Encantado fareja que o vento está soprando a favor do Herói.
 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O BEM E O MAL



O BEM E O MAL
ZéMaria Medeiros
31.03.2007 para Hélio.


O ator veste um figurino: de um lado representa o BEM do outro o MAL.  Outra a idéia: o ator de neutro com dois bonecos de luva, um em cada mão. Representam o BEM e o MAL


BEM - Sou o BEM, sou a virtude, a felicidade, o favor, o benefício, a utilidade, a vantagem, o proveito. Sou a felicidade. Desde que me inventaram domino o mundo. Graças a mim o Homem saiu das cavernas e construiu as civilizações. Ergueu a grande cultura humana. Eu domino o mundo.

MAL - Espere aí! Antes que você ganhe todos os méritos deixe eu me apresentar. Sou o MAL, sou o nocivo, o prejudicial, o opróbrio, a desonra. Sou a calamidade, o tormento, a mágoa, o prejuízo. Sou a infelicidade.
Pensa o BEM que domina o mundo, nunca ouvi tamanha asneira, quem efetivamente domina o mundo sou eu. Euzinho aqui. Sim senhor, onde é que já se viu...

BEM – Você é a coisa ruim, por isso o mundo é tão violento, você fica nas sombras tramando a morte de inocentes, levando criancinhas para o crime, assustando as sociedades. Mas seus dias estão contados.

MAL – És mesmo muito engraçado. Só rindo. Hahahahahaaaaaa!!!! Faz-me ficar de bom humor. Em teu nome BEM, os homens se matam, se infelicitam durante toda a História, por isso somos gêmeos, a mesma parteira nos aparou das vaginas de nossa mãe. Na mesma hora. No mesmo dia.
            Aonde tu vais para implantar a tua justiça, levas a guerra, a peste, a fome, a mortandade: todas minhas irmãs. Depois da conquista, do banho de sangue... aparecem tuas irmãs, riqueza, opulência e poder e com este álibi vais mandando...
            Enquanto em minhas mãos fica a desesperança desfilas cego pelos corredores dos poderosos. Portanto o domínio do mundo é meu. Tu me fabricas e nada faço por ti.

BEM – É ai que eu entro. Eu posso te desarmar. 

MAL – Não é fácil nos separar. Há um equilíbrio em tudo. Cada coisa se liga a todas as outras. Dentro da esfera yin e yang se opõem e se misturam. Veja! Certos acontecimentos parecem maus, mas não são, outros parecem bem e trazem coisas terríveis. .

Retira o figurino, para assumir-se enquanto atorpersonagem. Ou. Retira os bonecos de luva e se assume como atorpersonagem.


ATOR – Certas coisas nos deixam cismados. Coisas da gente. Coisas que a gente sente. Opções diferentes. O Bem e o Mal. Já repararam? Certas coisas são muito fáceis de dizer se são boas ou más. Gostar da noite. É bom ou ruim? Ter vícios?... Vício eis uma palavra. Palavra pesada. Muitas pessoas só em ouvi-la tremem; persignam-se. Vícios. Vício. Virtude. Não quero contrapor vício com virtude. Afinal há viciados virtuosos. Virtuosos de vida e virtuosos de arte. Viciados e não viciados. Em qualquer coisa há os que são e os que não. Até na religião. Tem aqueles que cumprem os rituais freqüentam os cultos e festas e há os que se viciam. Mas eles chamam isto de religião. Coisa boa. Boa como um baseado ao por do sol. Quem conhece sabe, quem não conhece não precisa conhecer. Droga, palavra que ao lado de Vício parecem a Legião do Mal. Gostaria de levar-lhes por um caminho. Uma visão não paranoiada de algo que nos apavora. A Todos! Eu também. A violência. Quero focar com vocês um personagem desta teratologia: o usuário, o consumidor, o viciado. O cidadão que usa alguma droga. Ele não é violento. È participativo. Trabalha e atua nos diversos ramos do conhecimento humano. E se não se deixar destruir pela droga a usará pela vida inteira, ou até que um chek up médico recomende moderação ou abstenção. Vício é vício. Comércio é comércio. Taí uma palavra leve. Comércio. Em nome do comércio se fizeram todas as guerras, se quebraram todas as regras, se cometeram todos os genocídios. Todo mundo quer ser comerciante. Os negócios movimentam o mundo. E nem todo negócio legal é puro e benemérito como o comércio de cartões de natal. Tem negócio legal, legalizado, cabeludo, cabeludíssimo, vide o comércio de armas, arma de aço, arma nuclear, arma biológica. Tudo legal. No papel. Outros não menos cabeludos, feitos à luz do dia, mostrados na imprensa, em que interesses corporativos resvalam no crime para que somas bilionárias trafeguem para seus cofres; quem acompanhou a venda das estatais no Brasil sabe do que estou falando. Mas vamos juntar as palavras: Droga, Vício e Comércio. Aí temos uma união explosiva. A sociedade mantém o comércio do vício, que declara ser ilegal, e tolera o vício: é impossível não tolerar. São os paraísos de Boudelaire, Michelangelo, João Ubaldo, Fernando Pessoa e de pessoas próximas, que as amo, com quem divido meus dias e, digamos assim, meus vícios. Vejam que paradoxo, que contra-senso, a Sociedade proíbe o tráfico do vício que Ela mantém.
            Encontro aí a eterna polêmica do Bem e do Mal. Estes dois ícones do conhecimento digladiam-se, confrontam-se. Todas as vezes que nos achamos completamente do Bem estamos aptos a praticar o Mal. O equilíbrio, a humildade em nos aceitar nem tanto Bem e Mal evita-nos o Mal. Pronto gente: filosofei. Mas saiamos do vício, falei dele primeiro pelo que evoca de violência o combate ao comércio. Pelo que se mostra a incapacidade de todos os Estados e Povos em combater o comércio de algo que Eles mesmos consomem. Mas como já disse: não fiquemos só nos vícios.  
            O Bem e o Mal adentram a arena para sua refrega... (idéia de Coliseu: os gladiadores do B e do M avançam) Do lado do Bem os Exércitos Plurinacionais, do lado do Mal todos os Insurgentes. Normalmente chamados de terroristas.
            (aviãozinho de brinquedo na mão, maquete de cidade. O texto a seguir deve ser cena) O Exército Americano sobrevoa Bagdá e despeja uma bomba sobre um hospital, mata dezenas de enfermos, destrói casas no entorno com famílias inteira. Vi um pai chorar a perda da esposa e dos filhos. (segunda cena)  A Al Kaeda sobrevoa os céus de Nova York com dois boeings e joga-os  sobre as torres gêmeas. Matou muita gente! Vi um pai chorar sua família. A bomba do Exército chama-se Ação Militar. O Boeing da Al Kaeda de Terrorismo.
            Ação Militar o Bem. Terrorismo o Mal.
            Bem. Mal. Terrorismo. Ação Militar. Alguém se arrisca dizer qual é o Bem? Qual é o Mal? É muito confortável ficar na poltrona. Ouvindo e Vendo as Notícias. O Império e o Contra-Império. O encontro cultural continua sangrento desde as cavernas. Oriente e Ocidente. Árabe. Palestino. Israelita. Inglês. Americano. A guerra é uma ação política. Alguém vai deter alguém?
            A Ordem e a Desordem. Tudo está junto. É impossível separar o Bem do Mal.
            Alguém se arrisca? Grosseiramente é fácil separar. Isto é Bom. Isto é Mal. (A mamãe diz pro filho) Menino não coma doce que faz mal. (A Igreja diz pro crente) Não faça sexo que é pecado. Pecado?!!! O legislador celeste criou a castidade. Palavra tão elástica quanto um himen complacente. O religioso repete as suas verdades com a certeza de uma criança, mesmo que beire a casa dos 70. Tem coisa mais cheia de bem e mal do que a sexualidade? Se você é hetero e cumpre certos formalismos, ritos, tudo bem. Agora se é homo, aí a coisa pega. Se é uma bixa, uma traveca, uma sapata aí os óculos da sociedade miram todas suas setas para coibir, reprimir, punir. Vigiar e Punir. Leviatã está pronto para o bote.  E o amor? O que é o amor?  Em mim alguns ferem outros são suaves nuvens ornando a Luz. Bons? Maus? Maus são os que terminam em pancadaria, assassinato? Deu no jornal (cena) que um Pedro vindo a discutir com a mulher esfaqueou-lhe dezenas de vezes e tendo as crianças chorado, matou-lhes uma a uma. Eram três. A porretada com uma mão de pilão atingiu-lhes a cabeça. Matou todos. O ódio aflorou. Ódio e Amor vivem dentro do Animal. É sempre bom lembrarmos: somos Animal. Do reino Animal. 3% diferentes dos macacos.
            Vamos fazer uma brincadeira? Um exercício de imaginação? Retiremos o Ser Humano do planeta. Só as forças naturais agindo. Desaparecem o Bem e o Mal. Árvores e animais caminham para um forçoso equilíbrio. Tudo tende ao equilíbrio. O Ser Humano é o desequilíbrio, recusa-se à mesmice da Natureza. Quer ser diferente Dela. Ele se quer o recorte no eterno contínuo.
             (segura um macaco marionete ou figurino e maquiagem. Evolui. Som de tambores.)
             Fala do macaco:
             “Freqüentemente acontece que a cabeça científica pertence a um corpo de macaco e uma inteligência perspicaz e excepcional a uma alma vulgar. Não é raro esse caso entre médicos e fisiologistas da moral. Por toda parte onde haja alguém que fale do homem sem acrimônia, mas sim com uma espécie de candura, como de um ventre dotado de duas espécies de necessidades e de uma cabeça apenas com uma necessidade. De alguém que sempre não veja, não procure e não queira ver senão a fome, o instinto sexual e a vaidade, como se estas fossem as molas essenciais e únicas das ações humanas. Resumindo, onde se fale “mal” do homem – e não maldosamente – o amante do conhecimento deve escutar atentamente e com cuidado, os seus ouvidos devem estar em toda parte onde se fala sem indignação. Eis que o homem indignado, aquele que dilacera a sua carne com os seus próprios dentes – ou, em seu lugar, ao mundo, ou a Deus, ou à sociedade -, esse pode estar mais alto do ponto de vista moral, que o sátiro risonho e auto-satisfeito, mas em qualquer sentido ele será o caso mais vulgar, mais indiferente e menos instrutivo. Além do mais ninguém mente tanto quanto o indignado”. Assim falou Nietchie em “para além do bem e do mal”.

            Despe-se: é o ator.
           
            Gerô morreu. Mataram Gero. Quem mataria Gero? Por que?, mataram Gerô, foi a polícia, tão dizendo que confundiram ele com um assaltante.
8:00. Pedra funerária atrás do hospital Português. Ta lá o corpo estendido. É grave o rosto do morto. Muitos vieram solidarizar-se em nossa dor. Soldar-se em dor. Quanto mais chegavam, quanto mais versões ouvíamos, mais se confirmava a grandeza da barbárie que se cometera contra o companheiro. Porrada. Porrada líquida e certa. Porrada de quebrar costelas. Porrada de perfurar os rins. Porrada de quebrar mãos.  Quebraram-lhe o corpo inteiro. Que queriam quebrar-lhe os seus algozes? Conseguiram? Que insanidade guiou os seus executores? Por que esta explosão de ódio? De raiva? De gana assassina? Que fez-lhes ele? Nada.
Aquele homem franzino, de chapéu de couro, com sua pasta na mão, de sandálias japonesas, suado, vindo de alguma batalha, que a vida nunca lhe deu mole, lutando para se manter com o nariz acima da merda, vendendo os seus cordéis, batalhando o seu cd., organizando o seu próximo show, nunca lhes havia feito nada. Aquele homem, que os policiais disseram confundir com um marginal, era um homem politizado. Conhecia os seus direitos. Que pedissem-lhe os documentos. Que examinassem sua pasta, veriam cordéis, cd., papéis. Algemaram-lhe. Onde estava o seu direito de ir e vir.  Olha aí maluco eu sou o Gerô, deve ter dito, eu tenho direitos.
Aquilo que no início parecia-lhe absurdo tomou a dimensão do horror com o encarceramento. Onde estava o seu direito de expressar-se. Que lhe valiam os mil discursos que proferira, as dez mil reuniões que participara, a sua liberdade de expressão era uma porrada no corpo. Aquele homem era politizado, do PDT, conhecia os salões do poder, onde na condição de artista compositor, cordelista, participara de lutas e banquetes. Sabia que é direito de todos ser considerado inocente até prova em contrário, e no caso dele não havia prova em contrário. O que parecia-lhe humilhante e absurdo tornou-se para ele insustentável, inaceitável. Brotou de toda sua História o insurgente, o insubmisso, o guerrilheiro, o rebelde: o quê apesar de toda situação ser desfavorável luta. Ele lutou. Algemado. Pisoteado. Caceteteado. Ele lutou. Lutou bravamente para ser reconhecido pelo Estado como cidadão. Como Ser de Direitos. Que viram seus carrascos? Viram um negro pobre se achando. Logo ele tinha que entender que quem manda é a farda e arma. A violência que esta combinação pode fazer é trágica. Foi discriminado por tudo que nos desprotege e lutou, lutou furiosamente com a língua, a cada porrada recebida uma blasfêmia, um insulto, o que só acrescentava ódio e furor aos seus assassinos. Bando de maluco eu vou morrer, mas vocês vão se fuder, eu sou o Gerô. Quebraram-lhe o corpo, não o espírito. Depois do crime a tentativa de ocultar. Misturar provas. Confundir. Estamos atentos.
Por toda sua luta contra o racismo e o preconceito, e principalmente pelo martírio do último ato de sua vida Gerô deve ser reverenciado como um dos nossos heróis. (silêncio)
O Bem e o Mal. A morte e o crime.
Onde ficam os limites? O equilíbrio? Como manter a tensão no ponto ótimo? Talvez seja esta a nossa pergunta, nossa interrogação? Sabemos que somos feras. Que ali no gogó, em algum canto recôndito de nosso Eu habita uma fera. Uma fera controlada pelo chicote cultural repousa na caverna. Ela só quer viver. Ela não sabe o que é o Bem, o que é o Mal.

           

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

...e até dez páginas de texto da sua autoria


... e até dez páginas de texto de sua autoria.
         Pensei. Isto é para ver se o pretendente à bolsa domina a língua. Se sabe onde coloca os efes e erres. E o plural de pão é pãos ou pães? E juçara é com ss? Uma língua originária do latim tardio que atravessou o Atlântico aqui se misturou aos silvícolas que já haviam nominado a geografia, a fauna e a flora e ainda trouxe os povos africanos com seus costumes, artes e crenças deu no que deu: Urintinga, Alguidar, Beiju, Bacuri, Dendê, Orixá tudo parece português.  A ortografia nos deixa loucos. Conta a lenda que Seu Noronha que ficou rico no comércio de carros era de uma profunda ignorância no uso da língua e certa vez um cliente ao preencher um cheque em pagamento por um serviço perguntou, Seu Noronha seiscentos se escreve com c ou com ss, ao que depois de refletir respondeu, faz dois de trezentos. Ou seja, nem sempre ganhar dinheiro e saber escrever andam juntos.
         Mas não só a ortografia é importante a sintaxe esta sim vai na alma do texto: sujeito, predicado, adjuntos, complementos, combinações de orações, adições, alternâncias, coordenações, subordinações e tudo para criar um sentido, uma idéia para que o texto produzido seja inteligível e prazeroso.  Acho que ninguém escreve pensando nestas coisas.
         Como então produzir dez páginas sobre nenhum assunto só para que alguém que vai julgar o projeto que pleiteio perceba como burilo as palavras, qual encadeamento faço, se tenho preocupação com o ritmo, se vírgulas e pontos são usados para realçar o entendimento do que quero expressar. Isto só não basta. Este texto é como uma entrevista de seleção pode me abrir portas ou fechá-las, afinal só dois por região serão classificados. É preciso que a proposta que eu apresente seja original, qualificada e tenha uma metodologia aceita como válida para tal fim.
         Julgar é uma coisa muito difícil, quem julga, julga a partir de seus parâmetros, portanto é na escolha da comissão julgadora que se começa o julgamento, jurados conservadores tenderão a consagrar o já consagrado é mais alinhado com suas formas de pensar o que é originalidade, jurados ditos progressistas, avançados podem confundir o que é cosmético, superficial, modismo com a idéia de original e premiar um frankstein literário um enfiador de palavras em metáforas metafóricas que soando uma ao lado da outra parecem construir algo inteligível, mas como o leitor não atina com um sentido se sente burro, out - para usar o inglês. Julgar é difícil. Julgar originalidade então nem se fala. Não sendo cópia, plágio, furto intelectual é original. Ou existirão uns mais originais que outros. Penso que original é expressar o seu eu, fazer a sua fala. Original é fazer apropriações de precursores, ler, reler, desler, transler, criar. A idéia de original como aquilo que nunca foi feito antes, como se fosse um marco zero de uma criação é a meu ver equivocada. Inédita, bom, isto é outra coisa.
         Vou fazer um desvio no que vinha escrevendo para falar de uma coisa prosaica, coisas que acontecem com quem está prestes a concluir um projeto, aproveito para aumentar o texto e assim quem sabe atinjo um número perto de dez páginas. Por enquanto já falei de ortografia, sintaxe e originalidade. Pois é ontem fiquei até as vinte e três horas para desenvolver as idéias aqui expressas, deu sono, fui dormir, amanhã termino: pensei.
         Acordo cedo, mando o menino para o colégio, a esposa vai ao trabalho, tomo café e banho, a cabeça fervilha, ligo o computador. Não! Não é possível, a imagem não aparece no monitor. A máquina pifa não estarta: anglicismo do verbo to start, começar. Será praga divina. Testo cabos, corrente elétrica, nada. Frustração. Vou perder o prazo de inscrição, todos os arquivos estão no computador. Desânimo e impotência. Desistir, jamais. Ligo para o técnico, explico a situação. Às 13 horas a máquina novamente funciona. Volto ao texto. E a esta conversa.
         Será que você vai continuar me lendo ou já se deu por satisfeito. O próximo passo é a qualidade do projeto. É claro que é visível a diferença entre um projeto articulado e um sem pé nem cabeça. Mas suponho que os pleiteadores da bolsa são do ramo, escrevem, concatenam as idéias, todos têm carinho com o que fazem e apresentam propostas cuja similitude qualitativa seja próxima. Como dizer quem teria mais qualidade se apresentassem, Patativa do Assaré, Zé Limeira e Ferreira Gullar, propostas? Qual a mais contextualizada? Parada dura. Julgar é osso. Novamente o parâmetro é do julgador. O julgamento parece ser objetivo, no entanto a subjetividade permeia o julgamento qual o sangue permeia o cérebro, não aparece, mas, sem ele não funciona.
         Por fim, mas não menos importante, a metodologia do trabalho. Todos os caminhos levam a Roma diziam os antigos. Métodos são caminhos.  Muitas vezes a metodologia pensada é flexibilizada durante o processo de feitura e não raro acrescida de percepções que não estavam no planejamento. Uma mesma doença pode ser curada por vários métodos, alopáticos, homeopáticos, químicos, físicos. O importante é a cura. O resultado. Bachelard discorrendo sobre o tema diz que Diesel quando concebeu o motor que viria a ter o seu nome estabeleceu os métodos teóricos para atingir tal fim. Uma fábrica comprou a idéia e pôs seus engenheiros para criar o motor. As idéias defendidas por Diesel se mostraram ineficazes. Ajeita daqui, conserta dali, refaz acolá e pronto lá está o motor, completamente diferente do concebido, mas com a mesma eficácia. Até de uma idéia errada pode se chegar a um ponto pretendido. Coisas da ciência. Coisas da vida. Quem já se perdeu numa cidade grande sabe do que falo.
         Texto de até dez páginas de minha autoria. Acredito que há escritores compulsivos em quem as palavras jorrem em cascata e facilmente encheriam páginas e páginas, para eu continuar escrevendo teria que mudar de assunto talvez falar do campeonato brasileiro e quais as possibilidades do Coringão vir a ser campeão depois do desmanche do time ou quem sabe discorrer sobre a crise que se abate sobre o Senado, quem é mais aético, nepótico ou corrupto, mas isto é outra conversa, não vou gastar mais seu tempo.
         Espero ter entretido a sua leitura com esta fala.
         ZéMaria