quarta-feira, 7 de setembro de 2011

...e até dez páginas de texto da sua autoria


... e até dez páginas de texto de sua autoria.
         Pensei. Isto é para ver se o pretendente à bolsa domina a língua. Se sabe onde coloca os efes e erres. E o plural de pão é pãos ou pães? E juçara é com ss? Uma língua originária do latim tardio que atravessou o Atlântico aqui se misturou aos silvícolas que já haviam nominado a geografia, a fauna e a flora e ainda trouxe os povos africanos com seus costumes, artes e crenças deu no que deu: Urintinga, Alguidar, Beiju, Bacuri, Dendê, Orixá tudo parece português.  A ortografia nos deixa loucos. Conta a lenda que Seu Noronha que ficou rico no comércio de carros era de uma profunda ignorância no uso da língua e certa vez um cliente ao preencher um cheque em pagamento por um serviço perguntou, Seu Noronha seiscentos se escreve com c ou com ss, ao que depois de refletir respondeu, faz dois de trezentos. Ou seja, nem sempre ganhar dinheiro e saber escrever andam juntos.
         Mas não só a ortografia é importante a sintaxe esta sim vai na alma do texto: sujeito, predicado, adjuntos, complementos, combinações de orações, adições, alternâncias, coordenações, subordinações e tudo para criar um sentido, uma idéia para que o texto produzido seja inteligível e prazeroso.  Acho que ninguém escreve pensando nestas coisas.
         Como então produzir dez páginas sobre nenhum assunto só para que alguém que vai julgar o projeto que pleiteio perceba como burilo as palavras, qual encadeamento faço, se tenho preocupação com o ritmo, se vírgulas e pontos são usados para realçar o entendimento do que quero expressar. Isto só não basta. Este texto é como uma entrevista de seleção pode me abrir portas ou fechá-las, afinal só dois por região serão classificados. É preciso que a proposta que eu apresente seja original, qualificada e tenha uma metodologia aceita como válida para tal fim.
         Julgar é uma coisa muito difícil, quem julga, julga a partir de seus parâmetros, portanto é na escolha da comissão julgadora que se começa o julgamento, jurados conservadores tenderão a consagrar o já consagrado é mais alinhado com suas formas de pensar o que é originalidade, jurados ditos progressistas, avançados podem confundir o que é cosmético, superficial, modismo com a idéia de original e premiar um frankstein literário um enfiador de palavras em metáforas metafóricas que soando uma ao lado da outra parecem construir algo inteligível, mas como o leitor não atina com um sentido se sente burro, out - para usar o inglês. Julgar é difícil. Julgar originalidade então nem se fala. Não sendo cópia, plágio, furto intelectual é original. Ou existirão uns mais originais que outros. Penso que original é expressar o seu eu, fazer a sua fala. Original é fazer apropriações de precursores, ler, reler, desler, transler, criar. A idéia de original como aquilo que nunca foi feito antes, como se fosse um marco zero de uma criação é a meu ver equivocada. Inédita, bom, isto é outra coisa.
         Vou fazer um desvio no que vinha escrevendo para falar de uma coisa prosaica, coisas que acontecem com quem está prestes a concluir um projeto, aproveito para aumentar o texto e assim quem sabe atinjo um número perto de dez páginas. Por enquanto já falei de ortografia, sintaxe e originalidade. Pois é ontem fiquei até as vinte e três horas para desenvolver as idéias aqui expressas, deu sono, fui dormir, amanhã termino: pensei.
         Acordo cedo, mando o menino para o colégio, a esposa vai ao trabalho, tomo café e banho, a cabeça fervilha, ligo o computador. Não! Não é possível, a imagem não aparece no monitor. A máquina pifa não estarta: anglicismo do verbo to start, começar. Será praga divina. Testo cabos, corrente elétrica, nada. Frustração. Vou perder o prazo de inscrição, todos os arquivos estão no computador. Desânimo e impotência. Desistir, jamais. Ligo para o técnico, explico a situação. Às 13 horas a máquina novamente funciona. Volto ao texto. E a esta conversa.
         Será que você vai continuar me lendo ou já se deu por satisfeito. O próximo passo é a qualidade do projeto. É claro que é visível a diferença entre um projeto articulado e um sem pé nem cabeça. Mas suponho que os pleiteadores da bolsa são do ramo, escrevem, concatenam as idéias, todos têm carinho com o que fazem e apresentam propostas cuja similitude qualitativa seja próxima. Como dizer quem teria mais qualidade se apresentassem, Patativa do Assaré, Zé Limeira e Ferreira Gullar, propostas? Qual a mais contextualizada? Parada dura. Julgar é osso. Novamente o parâmetro é do julgador. O julgamento parece ser objetivo, no entanto a subjetividade permeia o julgamento qual o sangue permeia o cérebro, não aparece, mas, sem ele não funciona.
         Por fim, mas não menos importante, a metodologia do trabalho. Todos os caminhos levam a Roma diziam os antigos. Métodos são caminhos.  Muitas vezes a metodologia pensada é flexibilizada durante o processo de feitura e não raro acrescida de percepções que não estavam no planejamento. Uma mesma doença pode ser curada por vários métodos, alopáticos, homeopáticos, químicos, físicos. O importante é a cura. O resultado. Bachelard discorrendo sobre o tema diz que Diesel quando concebeu o motor que viria a ter o seu nome estabeleceu os métodos teóricos para atingir tal fim. Uma fábrica comprou a idéia e pôs seus engenheiros para criar o motor. As idéias defendidas por Diesel se mostraram ineficazes. Ajeita daqui, conserta dali, refaz acolá e pronto lá está o motor, completamente diferente do concebido, mas com a mesma eficácia. Até de uma idéia errada pode se chegar a um ponto pretendido. Coisas da ciência. Coisas da vida. Quem já se perdeu numa cidade grande sabe do que falo.
         Texto de até dez páginas de minha autoria. Acredito que há escritores compulsivos em quem as palavras jorrem em cascata e facilmente encheriam páginas e páginas, para eu continuar escrevendo teria que mudar de assunto talvez falar do campeonato brasileiro e quais as possibilidades do Coringão vir a ser campeão depois do desmanche do time ou quem sabe discorrer sobre a crise que se abate sobre o Senado, quem é mais aético, nepótico ou corrupto, mas isto é outra conversa, não vou gastar mais seu tempo.
         Espero ter entretido a sua leitura com esta fala.
         ZéMaria

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