terça-feira, 13 de novembro de 2012

ORÁCULO

Hoje me reencontro donde vim.
Qual lugar.

Pessoas alegres nas paradas de ônibus
e riem com dentes postiços,
onde brotam as casas
e o cheiro dos esgotos
é a água preta das sarjetas
e a energia para o trabalho
é a prosperidade rústica
nua no concreto estrutural.

Hoje sei donde vim.
Qual lugar.
... e o amor
    quer me abrir bandeiras...

domingo, 11 de novembro de 2012

MAR À VISTA

Estou só,
choro minhas perdas
manso barco que desatraca.

Despeço-me do porto
com o espinho da saudade
vertendo lágrimas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O POETA TEM UM DEUS

O poeta tem um deus
com quem dialoga
no monólogo íntimo
de fazer-se,
enquanto navega o tempoespaço
na mutação que a tudo mantém
fazendo a si desfazendo-se
para que haja o movimento
que cria o espaçotempo

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

UMA AMOR DE OLHARES




                O ônibus lento trafegava as ruas do centro histórico e avançava pela rua das Cajazeiras, Alberto se distraia vendo as fachadas das casas e embora elas estivessem ali desde a sua infância é com surpresa que ele constata, sempre toda vez que passa, que as cores, as portas, as grades, os letreiros e placas, as fotos rasgadas dos políticos em campanha, um detalhe, outro, que elas, as casas, estão sempre mudando e a paisagem nunca é a mesma.
 Pegara o ônibus no terminal rodoviário e nem percebeu que alguém sentara ao seu lado até sentir o macio de uma pele tocando-lhe o braço, natural para quem anda de coletivo, mas a calça jeans a blusa rosa cobriam um corpo de uma mulher jovem e cheinha, olhou-a, quis ver-lhe o rosto, quando a olhou ela olhou-o, o rosto arredondado, as sobrancelhas espessas e afiladas, por um segundo, dois, contemplaram-se; imediatamente desolham-se, a etiqueta urbana é que os olhares sejam rápidos, que não pareçam inquiridores nem desrespeitosos, mesmo assim a pele do braço dela permanecia encostada ao dele, a calça tinha detalhes prateados e ela carregava uma bolsa rosa, esmalte nas unhas e sandálias, tudo rosa. Indiferente o ônibus passara por Monte Castelo, numa sincronia não combinada os dois olham-se ao mesmo tempo, um pouco mais demorado, com certeza ela contempla a esfinge do poeta e ele aquele enigmático olhar de cinco ou dez segundos, será se estou indiscreto pensou o poeta e recolheu-se à vista da avenida dos Franceses, olharam-se novamente, coincidências, coisas da vida. Depois da ponte do rio Anil ela pediu parada. Olharam-se. Pela primeira vez o poeta pensou: ela gostou de mim, enquanto isso já se levantava com dois companheiros de viagem e descia, ele acompanhou-lhe os passos se distanciando, ela olhou pra trás, ele pela janela a olhava, tinha certeza ela gostara dele, o ônibus arranca lentamente passa por ela, os dois fixam o olhar enquanto se distanciam...