quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

QUEDA

Quem fino em sintonia
espera de seus pares solidariedade,
força, simples cortesia,
cautela: a confiança é o alçapão.

Todos grudados em todos estamos,
o empurrão deixa-nos no abismo.
Rápido nos agarramos ao cipó da encosta
e retornamos à vida, calejados,
senão a queda é o fim
do poço sem fim.

EM PAR, ÍMPAR

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CORAÇÃO

tutu tutu tutu
tutu tutu tutu
tutu tutu tutu
tutu tutu tutu

tutu tutu tutu
tutu tutu tutu
 tut.  tut.  tut.

tutu .utu .utu
t.tu  t.tu   t.tu
tu.u tu.u  tu.u
tut.  tut.   tut.

tu..  tu..  tu..
.ut.  .ut.  .ut.
..t.   ..t.   ..t.
.u..  t..u  ...u
....   ....   .ut.
....   ....   ....

EM PAR, ÍMPAR

sábado, 17 de dezembro de 2011

ON THE ROAD

Sigo sem dramas e paixões
enorme iceberg
acorrentado ao vendaval de Macondo,
on the road.

Persigo o pulsar,
o instante, a chama,
o incêndio dialético,
a vida a 10 trava.

Ando.

EM PAR, ÍMPAR

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

João Lisboa

Há ônibus arluindo a pazlisboa
o Carmo mantém o útero frio,
os séculos indiferentes à fuligem
ácida em seus aulejos.

Rei dos Homens e Boquinha
- eternos do abrigo -
embrulham-se na algazarra dos motoristas de táxi.

Estaciono na sombrafontemaravilhosa
enquanto o pega pinto roladeirabaixo estômago.

Resta o vento morno do verão
a espantar o frio invernal.

EM PAR, ÍMPAR

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A LÍNGUA

A língua
púrpura contingência
do meu ofício,
oferta-me madrugadas,
onde
tropeço-me em
amnésicas voltas à caverna:
abrigoobservatório.
Vejo
a imensa exaustão humana,
princípio de realidade,
adia o prazer.
Sempre há dia.
Amanhã é morte.
Vida se vive aqui.
Explodem-me cogumelos,
emoção sax afim.

EM PAR, ÍMPAR

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

ESCALDO

A vida é que se revela
na lição de cada esquina.
Na armação do encontro
os escaldos sem rima
deixam-nos desnorteados
quais os escaldos de menino
preso um pouco mais ao fundo
enquanto as ondas quebram
em meus ouvidos submersos
e os pulmões desejam o ar.
As mãos que me submetem
afrouxam a pressão
e me levantam a cabeça.
Inalo o ar que posso
no soluço afogado.
Era só brincadeira.

Os de vera, verídicos, existenciais,
só nos ensinam:
Ora em baixo.
Ora em cima.

O FRUTO DA IRA É DOCE.

domingo, 4 de dezembro de 2011

SOBRE OS CINZAS

um olhar de Wagner Alhadeff

A ilha de São Luis é cercada por um horizonte cinza.
O olhar viajando do zênite ao poente
contempla o brilho azulceleste da abóbada
misturar-se ao branco das nuvens
e adquirir um tom rosapálidocinza
até fundir-se à cerração do mar
e à visão longínqua do continente alcantarense:
Vê salcinza.

O FRUTO DA IRA É DOCE

sábado, 3 de dezembro de 2011

RELEITURA

O novo é a leitura do velho,
o novo é a desleitura do velho,
o novo é a nova visão do velho,
o novo é o velho novamente,
o novo é a leitura do velho.

O FRUTO DA IRA É DOCE

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

PEDRINHAS

Talvez o capitalismo seja
reflexo do que somos individualmente
e não o inverso.
Acredito ser verdade que
se nos mudarmos,
sa alterarmos caducas formas de ver e enfrentar a vida,
se efetivamente sairmos da barbárie,
se nossso imaginário for povoado de idéias eticamente válidas,
se ao animal
somarmos o verniz do sublime, mudaremos.
Caro Leitor
perdõe-me a inexatidão com que me exprimo,
posto que no ofício de poeta
as palavras primas, argamassa da poesia,
sujeitam-me ao sinal do signo.
Toda elevação humana é válida,
atingiremos por dentro o sistema
na bricolagem sociondividual
e assim transformados, transformar.
Há pequenas coisas a serem feitas.
Um forno em Pedrinhas,
para assar cerâmica trabalhada
por prisioneiros orientados por uma artista
que se ver obrigada a quebrar as peças manufaturadas
para reciclar o barro e manter os detentos
atentos ao descortinar do dia.
Falta forno. Falta barro.

O FRUTO DA IRA É DOCE

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

APRENDIZ

Aprendo cada dia a exaltação
o júbilo
a felicidade
do momento que vivo
eu zémaria um animal humano
detenho no meu cérebro concepções sobre nossa cultura
e sobre a materialidade da qual sou feito
que cada hora, cada dia, todos os dias
carrego-os de tensão, de harmonia
que é tensão dirigida à emoção.
Deslumbro-me com o fenômeno vida
que envolve nosso planeta
da estraosfera às cavernas abissais que minam energia no Pacífico.
Tudo contribui para a vida
e ela se espalhou pelo Planeta
adaptando-se aos diversos ambientes
numa corrente contínua de intermitentes vivos.
Seres vivos. Entre estas milhões de formas
do micro ao macro
do aquático ao aéreo
uma forma formou-se homo sapiens.
Transformou.
Dentro do embate vida destrói vida.
Alimenta-se de vida.
Nós inventamos a cultura: Um ser vivo.
Ser vivo é forçação de barra.
Mas é vivo.

O FRUTO DA IRA É DOCE

sábado, 5 de novembro de 2011

REPARTIÇÃO

Estão ocupadas.
As pessoas estão muito ocupadas.
Muitas tarefas a serem cumpridas.

Cumpre-nos assistir ao desvelo
com o qual a sapienscolméia se desenvolve
a imbricar a tessitura social
que a todos mantém.

As pessoas estão muito ocupadas.
Muitas tarefas inadiáveis.

A urbes mata a floresta
nosso primeiro lar,
onde domesticamos os animais,
manipulamos as plantas,
e nos estruturamos como espécie.

Muito ocupadas.
Estamos ocupadas...Não vê?

Colher frutas, fazer vasos,
dançar, mergulhar num rio,
contemplaro sol, a lua,
fazer sexo, procriar.

Ocupadas, estamos ocupadas... Dê licença.
Ocupadas... Passe outro dia, ainda não chegou...
Estamos ocupadas.

O FRUTO DA IRA É DOCE.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A VIDA MODESTA


A vida modesta é melhor que a rica.
Era negro, cinquentão,
é sim, a modesta é melhor.
O restaurante quase vazio.
Eles vivem muito preocupados,
olhava-me e ria,
ria-me também, desconfiado.
Não é bem assim! Pensava.
Será?  Não me perguntou.
Pagava a conta e se ía.

EM PAR, ÍMPAR

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

NAURO

Claro que a clara cabeça 
carrega pesadelos, gremilins,
e  açoita o verso e o reverso
de meu ser deambulante
entre o labirinto da Praia Grande;
enquanto o alcoolismo,
meu cabo de guerra,
acende a labareda,
a cornucópia das palavras no apicerum.

!Miséria nossa, poetas,
que turvamos as ruas
com nossas embriagadas auras.

EM PAR, ÍMPAR

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

TERESA

Bebo e olho mulheres,
seduzem casarões.

Colonial, teu sexo
exalta-se ao me ver
brechando teus seios.

Despencas num sorriso
a me prometer lençóis.

EM PAR, ÍMPAR

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

MURO DOCE MURO


Muro no duro,
sólido, concreto.
Massa e argamassa.
Cai picaretado.

Picaretas de ambos os lados,
Uni-vos.
Ainda somos o botim.

EM PAR , ÍMPAR

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

??????????????????

ALEGRIA
VÃ PASSAGEIRA
À MISÉRIA
FURTAR UNS TROCADOS
A SORTE
TENTA A SENA:
SEGUNDA-FEIRA
NÃO FAZ UM NÚMERO.
EM PAR, ÍMPAR

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

ENCONTRO

Terminal rodoviário.
Saudamo-nos, eu e Reiszinho,
o poeta e o carregador do cais da Campos de Melo.
Sorrimo-nos afáveis.

Eis o poema eu disse-me
assim, ensimesmado.

Interrompe o seu caminhar, volte e me conta,
carreguei no barco pra Alcântara
uma carrada de esterco de galinha.

Não tinha água,
agora tenho que vestir a camisa assim,
sem tomar banho.
Não tem problema : meu subtexto.
- Chega em casa, banha, comentei .
-É,mas antes, tenho que ir ao Socorrão
fazer uma nebulização,
para ver se os pulmões
(com a mão gesticula em círculos
concêntricos,ligeiros)
trabalham legal.
Sorri e se vai.

O FRUTO DA IRA É DOCE

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

IRMÃOS


Mudaria pós tudo: Campos
Corpo poesia.
Cor poesia.
Cor pó és.
Corpo és.
Cicias em abril azul e chuvas,
avaro, vário, várzeas.
CamPos HereSia.
Cam pos here sia.
Pos he sia.
Poesia.

O FRUTO DA IRA É DOCE

terça-feira, 27 de setembro de 2011

EU SOU NORMAL

Agora que nada mais estranhho e
tudoemmim é-me
defácil reconhecidoentendimento
percebo o cosmos
que me fez únicomomum
igual porque desigual
entre outros únicos e díspares

O FRUTO DA IRA É DOCE


segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A LENDA DO REI SEBASTIÃO – A FUNDAÇÃO DO MARANHÃO







A LENDA DO REI SEBASTIÃO – A FUNDAÇÃO DO MARANHÃO
(apontamentos para teatro e bonecos)
        
Conta a História que depois da batalha de Al Qui Sebar o Rei Sebastião veio dar nas terras do Maranhão e se encantou.   

Aqui índios, brancos e negros constroem um grande povo: brincantes das várias etnias dançam, além dos clássicos branco-negro-índio, nordestinos, gaúchos, orientais...

 ... e à noite de lua cheia nas praias dos lençóis o touro encantado passeia vigoroso e feliz.

- Quer dizer, passeava.

O DRAGÃO DA MALDADE 

Porque numa noite em que grossas nuvens encobriam a lua cheia, dissimulado, o dragão da maldade pôs sela e freio no touro.

Abateu-se sobre o povo do Maranhão uma série de flagelos:

1.   Flagelo das promessas.
Vou trazer a riqueza-  Comigo todo mundo vai ser rico
Vou desenvolver- Vou distribuir pra cada um  um carro, uma casa, e um cartão de c´redito
e o povo acreditou, bateu palmas,

2.   Flagelo das baionetas.
Sustentado por muito  quepes e fuzis durante décadas o dragão espalhou fome, terror, no meio do povo, deixando-o espoliado e pobre.
O touro magro e faminto mal sustentava o peso do dragão e seu baú de moedas de ouro.

3.   Flagelo dos herdeiros
Do ventre do Dragão nasceu uma Serpente de três cabeças, uma fêmea dominante e duas machos, vigorosas e famintas. O quarteto se apoderou de toda a riqueza

Tudo indicava que o rei Sebastião e sua tripulação iria afundar para sempre.
Nas noites de lua cheia o touro não mais se encantava
só se ouvia as hórridas risadas do Dragão da Maldade e sua prole.


O HERÓI

Durante anos o povo preparou um guerreiro para enfrentar o Dragão e foram muitas as batalhas enquanto o Dragão hipertrofiava desenvolvendo enormes tentáculos o guerreiro e seus capitães  afiavam a lança para o golpe final

Naquela noite sob uma esplendorosa lua cheia o Dragão percebeu o Herói e sem vacilação mandou Hidra atacar.
O Herói munido da espada que lhe dera o povo desfere um golpe perto da cabeça fêmea. Ela sangra.

A REAÇÃO

Percebendo que Hidra está mortalmente ferida. O Dragão da Maldade movimenta  um de seus tentáculos e lança o golpe traiçoeiro. O Herói cai.
A risada do Dragão da Maldade é ouvida. Hidra é socorrida.
Continua aprisionado o Touro Encantado.

A BATALHA FINAL

O Dragão da Maldade sabe que está próximo o confronto final. Prepara a carga máxima.
Ele e Hidra juntos.
O povo prepara seus Heróis.
Nesta lua cheia o Touro Encantado fareja que o vento está soprando a favor do Herói.
 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O BEM E O MAL



O BEM E O MAL
ZéMaria Medeiros
31.03.2007 para Hélio.


O ator veste um figurino: de um lado representa o BEM do outro o MAL.  Outra a idéia: o ator de neutro com dois bonecos de luva, um em cada mão. Representam o BEM e o MAL


BEM - Sou o BEM, sou a virtude, a felicidade, o favor, o benefício, a utilidade, a vantagem, o proveito. Sou a felicidade. Desde que me inventaram domino o mundo. Graças a mim o Homem saiu das cavernas e construiu as civilizações. Ergueu a grande cultura humana. Eu domino o mundo.

MAL - Espere aí! Antes que você ganhe todos os méritos deixe eu me apresentar. Sou o MAL, sou o nocivo, o prejudicial, o opróbrio, a desonra. Sou a calamidade, o tormento, a mágoa, o prejuízo. Sou a infelicidade.
Pensa o BEM que domina o mundo, nunca ouvi tamanha asneira, quem efetivamente domina o mundo sou eu. Euzinho aqui. Sim senhor, onde é que já se viu...

BEM – Você é a coisa ruim, por isso o mundo é tão violento, você fica nas sombras tramando a morte de inocentes, levando criancinhas para o crime, assustando as sociedades. Mas seus dias estão contados.

MAL – És mesmo muito engraçado. Só rindo. Hahahahahaaaaaa!!!! Faz-me ficar de bom humor. Em teu nome BEM, os homens se matam, se infelicitam durante toda a História, por isso somos gêmeos, a mesma parteira nos aparou das vaginas de nossa mãe. Na mesma hora. No mesmo dia.
            Aonde tu vais para implantar a tua justiça, levas a guerra, a peste, a fome, a mortandade: todas minhas irmãs. Depois da conquista, do banho de sangue... aparecem tuas irmãs, riqueza, opulência e poder e com este álibi vais mandando...
            Enquanto em minhas mãos fica a desesperança desfilas cego pelos corredores dos poderosos. Portanto o domínio do mundo é meu. Tu me fabricas e nada faço por ti.

BEM – É ai que eu entro. Eu posso te desarmar. 

MAL – Não é fácil nos separar. Há um equilíbrio em tudo. Cada coisa se liga a todas as outras. Dentro da esfera yin e yang se opõem e se misturam. Veja! Certos acontecimentos parecem maus, mas não são, outros parecem bem e trazem coisas terríveis. .

Retira o figurino, para assumir-se enquanto atorpersonagem. Ou. Retira os bonecos de luva e se assume como atorpersonagem.


ATOR – Certas coisas nos deixam cismados. Coisas da gente. Coisas que a gente sente. Opções diferentes. O Bem e o Mal. Já repararam? Certas coisas são muito fáceis de dizer se são boas ou más. Gostar da noite. É bom ou ruim? Ter vícios?... Vício eis uma palavra. Palavra pesada. Muitas pessoas só em ouvi-la tremem; persignam-se. Vícios. Vício. Virtude. Não quero contrapor vício com virtude. Afinal há viciados virtuosos. Virtuosos de vida e virtuosos de arte. Viciados e não viciados. Em qualquer coisa há os que são e os que não. Até na religião. Tem aqueles que cumprem os rituais freqüentam os cultos e festas e há os que se viciam. Mas eles chamam isto de religião. Coisa boa. Boa como um baseado ao por do sol. Quem conhece sabe, quem não conhece não precisa conhecer. Droga, palavra que ao lado de Vício parecem a Legião do Mal. Gostaria de levar-lhes por um caminho. Uma visão não paranoiada de algo que nos apavora. A Todos! Eu também. A violência. Quero focar com vocês um personagem desta teratologia: o usuário, o consumidor, o viciado. O cidadão que usa alguma droga. Ele não é violento. È participativo. Trabalha e atua nos diversos ramos do conhecimento humano. E se não se deixar destruir pela droga a usará pela vida inteira, ou até que um chek up médico recomende moderação ou abstenção. Vício é vício. Comércio é comércio. Taí uma palavra leve. Comércio. Em nome do comércio se fizeram todas as guerras, se quebraram todas as regras, se cometeram todos os genocídios. Todo mundo quer ser comerciante. Os negócios movimentam o mundo. E nem todo negócio legal é puro e benemérito como o comércio de cartões de natal. Tem negócio legal, legalizado, cabeludo, cabeludíssimo, vide o comércio de armas, arma de aço, arma nuclear, arma biológica. Tudo legal. No papel. Outros não menos cabeludos, feitos à luz do dia, mostrados na imprensa, em que interesses corporativos resvalam no crime para que somas bilionárias trafeguem para seus cofres; quem acompanhou a venda das estatais no Brasil sabe do que estou falando. Mas vamos juntar as palavras: Droga, Vício e Comércio. Aí temos uma união explosiva. A sociedade mantém o comércio do vício, que declara ser ilegal, e tolera o vício: é impossível não tolerar. São os paraísos de Boudelaire, Michelangelo, João Ubaldo, Fernando Pessoa e de pessoas próximas, que as amo, com quem divido meus dias e, digamos assim, meus vícios. Vejam que paradoxo, que contra-senso, a Sociedade proíbe o tráfico do vício que Ela mantém.
            Encontro aí a eterna polêmica do Bem e do Mal. Estes dois ícones do conhecimento digladiam-se, confrontam-se. Todas as vezes que nos achamos completamente do Bem estamos aptos a praticar o Mal. O equilíbrio, a humildade em nos aceitar nem tanto Bem e Mal evita-nos o Mal. Pronto gente: filosofei. Mas saiamos do vício, falei dele primeiro pelo que evoca de violência o combate ao comércio. Pelo que se mostra a incapacidade de todos os Estados e Povos em combater o comércio de algo que Eles mesmos consomem. Mas como já disse: não fiquemos só nos vícios.  
            O Bem e o Mal adentram a arena para sua refrega... (idéia de Coliseu: os gladiadores do B e do M avançam) Do lado do Bem os Exércitos Plurinacionais, do lado do Mal todos os Insurgentes. Normalmente chamados de terroristas.
            (aviãozinho de brinquedo na mão, maquete de cidade. O texto a seguir deve ser cena) O Exército Americano sobrevoa Bagdá e despeja uma bomba sobre um hospital, mata dezenas de enfermos, destrói casas no entorno com famílias inteira. Vi um pai chorar a perda da esposa e dos filhos. (segunda cena)  A Al Kaeda sobrevoa os céus de Nova York com dois boeings e joga-os  sobre as torres gêmeas. Matou muita gente! Vi um pai chorar sua família. A bomba do Exército chama-se Ação Militar. O Boeing da Al Kaeda de Terrorismo.
            Ação Militar o Bem. Terrorismo o Mal.
            Bem. Mal. Terrorismo. Ação Militar. Alguém se arrisca dizer qual é o Bem? Qual é o Mal? É muito confortável ficar na poltrona. Ouvindo e Vendo as Notícias. O Império e o Contra-Império. O encontro cultural continua sangrento desde as cavernas. Oriente e Ocidente. Árabe. Palestino. Israelita. Inglês. Americano. A guerra é uma ação política. Alguém vai deter alguém?
            A Ordem e a Desordem. Tudo está junto. É impossível separar o Bem do Mal.
            Alguém se arrisca? Grosseiramente é fácil separar. Isto é Bom. Isto é Mal. (A mamãe diz pro filho) Menino não coma doce que faz mal. (A Igreja diz pro crente) Não faça sexo que é pecado. Pecado?!!! O legislador celeste criou a castidade. Palavra tão elástica quanto um himen complacente. O religioso repete as suas verdades com a certeza de uma criança, mesmo que beire a casa dos 70. Tem coisa mais cheia de bem e mal do que a sexualidade? Se você é hetero e cumpre certos formalismos, ritos, tudo bem. Agora se é homo, aí a coisa pega. Se é uma bixa, uma traveca, uma sapata aí os óculos da sociedade miram todas suas setas para coibir, reprimir, punir. Vigiar e Punir. Leviatã está pronto para o bote.  E o amor? O que é o amor?  Em mim alguns ferem outros são suaves nuvens ornando a Luz. Bons? Maus? Maus são os que terminam em pancadaria, assassinato? Deu no jornal (cena) que um Pedro vindo a discutir com a mulher esfaqueou-lhe dezenas de vezes e tendo as crianças chorado, matou-lhes uma a uma. Eram três. A porretada com uma mão de pilão atingiu-lhes a cabeça. Matou todos. O ódio aflorou. Ódio e Amor vivem dentro do Animal. É sempre bom lembrarmos: somos Animal. Do reino Animal. 3% diferentes dos macacos.
            Vamos fazer uma brincadeira? Um exercício de imaginação? Retiremos o Ser Humano do planeta. Só as forças naturais agindo. Desaparecem o Bem e o Mal. Árvores e animais caminham para um forçoso equilíbrio. Tudo tende ao equilíbrio. O Ser Humano é o desequilíbrio, recusa-se à mesmice da Natureza. Quer ser diferente Dela. Ele se quer o recorte no eterno contínuo.
             (segura um macaco marionete ou figurino e maquiagem. Evolui. Som de tambores.)
             Fala do macaco:
             “Freqüentemente acontece que a cabeça científica pertence a um corpo de macaco e uma inteligência perspicaz e excepcional a uma alma vulgar. Não é raro esse caso entre médicos e fisiologistas da moral. Por toda parte onde haja alguém que fale do homem sem acrimônia, mas sim com uma espécie de candura, como de um ventre dotado de duas espécies de necessidades e de uma cabeça apenas com uma necessidade. De alguém que sempre não veja, não procure e não queira ver senão a fome, o instinto sexual e a vaidade, como se estas fossem as molas essenciais e únicas das ações humanas. Resumindo, onde se fale “mal” do homem – e não maldosamente – o amante do conhecimento deve escutar atentamente e com cuidado, os seus ouvidos devem estar em toda parte onde se fala sem indignação. Eis que o homem indignado, aquele que dilacera a sua carne com os seus próprios dentes – ou, em seu lugar, ao mundo, ou a Deus, ou à sociedade -, esse pode estar mais alto do ponto de vista moral, que o sátiro risonho e auto-satisfeito, mas em qualquer sentido ele será o caso mais vulgar, mais indiferente e menos instrutivo. Além do mais ninguém mente tanto quanto o indignado”. Assim falou Nietchie em “para além do bem e do mal”.

            Despe-se: é o ator.
           
            Gerô morreu. Mataram Gero. Quem mataria Gero? Por que?, mataram Gerô, foi a polícia, tão dizendo que confundiram ele com um assaltante.
8:00. Pedra funerária atrás do hospital Português. Ta lá o corpo estendido. É grave o rosto do morto. Muitos vieram solidarizar-se em nossa dor. Soldar-se em dor. Quanto mais chegavam, quanto mais versões ouvíamos, mais se confirmava a grandeza da barbárie que se cometera contra o companheiro. Porrada. Porrada líquida e certa. Porrada de quebrar costelas. Porrada de perfurar os rins. Porrada de quebrar mãos.  Quebraram-lhe o corpo inteiro. Que queriam quebrar-lhe os seus algozes? Conseguiram? Que insanidade guiou os seus executores? Por que esta explosão de ódio? De raiva? De gana assassina? Que fez-lhes ele? Nada.
Aquele homem franzino, de chapéu de couro, com sua pasta na mão, de sandálias japonesas, suado, vindo de alguma batalha, que a vida nunca lhe deu mole, lutando para se manter com o nariz acima da merda, vendendo os seus cordéis, batalhando o seu cd., organizando o seu próximo show, nunca lhes havia feito nada. Aquele homem, que os policiais disseram confundir com um marginal, era um homem politizado. Conhecia os seus direitos. Que pedissem-lhe os documentos. Que examinassem sua pasta, veriam cordéis, cd., papéis. Algemaram-lhe. Onde estava o seu direito de ir e vir.  Olha aí maluco eu sou o Gerô, deve ter dito, eu tenho direitos.
Aquilo que no início parecia-lhe absurdo tomou a dimensão do horror com o encarceramento. Onde estava o seu direito de expressar-se. Que lhe valiam os mil discursos que proferira, as dez mil reuniões que participara, a sua liberdade de expressão era uma porrada no corpo. Aquele homem era politizado, do PDT, conhecia os salões do poder, onde na condição de artista compositor, cordelista, participara de lutas e banquetes. Sabia que é direito de todos ser considerado inocente até prova em contrário, e no caso dele não havia prova em contrário. O que parecia-lhe humilhante e absurdo tornou-se para ele insustentável, inaceitável. Brotou de toda sua História o insurgente, o insubmisso, o guerrilheiro, o rebelde: o quê apesar de toda situação ser desfavorável luta. Ele lutou. Algemado. Pisoteado. Caceteteado. Ele lutou. Lutou bravamente para ser reconhecido pelo Estado como cidadão. Como Ser de Direitos. Que viram seus carrascos? Viram um negro pobre se achando. Logo ele tinha que entender que quem manda é a farda e arma. A violência que esta combinação pode fazer é trágica. Foi discriminado por tudo que nos desprotege e lutou, lutou furiosamente com a língua, a cada porrada recebida uma blasfêmia, um insulto, o que só acrescentava ódio e furor aos seus assassinos. Bando de maluco eu vou morrer, mas vocês vão se fuder, eu sou o Gerô. Quebraram-lhe o corpo, não o espírito. Depois do crime a tentativa de ocultar. Misturar provas. Confundir. Estamos atentos.
Por toda sua luta contra o racismo e o preconceito, e principalmente pelo martírio do último ato de sua vida Gerô deve ser reverenciado como um dos nossos heróis. (silêncio)
O Bem e o Mal. A morte e o crime.
Onde ficam os limites? O equilíbrio? Como manter a tensão no ponto ótimo? Talvez seja esta a nossa pergunta, nossa interrogação? Sabemos que somos feras. Que ali no gogó, em algum canto recôndito de nosso Eu habita uma fera. Uma fera controlada pelo chicote cultural repousa na caverna. Ela só quer viver. Ela não sabe o que é o Bem, o que é o Mal.