terça-feira, 26 de junho de 2012

DESPEJO


           Quando o corpo fez contraluz, Alberto, pela silhueta, reconheceu-o. Repele-o. Segue teu caminho, não é hora... que é isso seu Alberto, só um minutinho... tô vindo de longe... Estende a mão e senta... siô! já caminhei muito hoje, desde o João Paulo... vou ficar um pouco aqui pra descansar as pernas... A mulher me botou pra fora de casa. Ela e os filhos dela. Dooiiiss, ó o tamanho. O braço marcou a altura acima da cabeça, ele, de baixa estatura. O filho dela me disse, ó cumpadi cuidado quando tu beber, senão tu apanha, ela ficou do lado deles, me botou pra fora, minhas roupas tão no seu Raimundo, o louco aí sabe, apontou para Aires é ele é trabalhador confirmou, eu piro, mas em casa num falta nada. Alberto percebe-lhe a embriaguez amanhecida, os gestos lentos, a calma lenta do raciocínio e a vontade de falar ininterruptamente. Siô... Eu trabalho num supermercado, o louco aí sabe, num é?, é ele trabalha assentiu Aires, essas pulseirinhas, exibiu o mostruário um cano de 50mm  envolto em camurça verde, ontem aí tava cheinha, trabalhei, fiz um troco, 100 reais? perguntou Aires, 60, passei em casa deixei o dicumê, aconteceu o acontecido, minhas roupas tão no seu Raimundo, verdade, o sinhô tá duvidando, me botou pra fora de casa, minhas coisas tudo lá atrás da porta de seu Raimundo, tomara que a esposa dele não veja, ela pode botar fora. Siô... eu tava pensando dá pra eu trazer elas pra cá, não, é aqui não é lugar, olhe siô, tô com vontade de ligar pra ela, liga, te empresto meu telefone, tu sabe logo e aproveita dá logo um trago pra te acalmar, riu Aires , não, não vou ligar.
                À tarde com as pulseiras no mostruário, de voz pastosa, vagava na Praia Grande.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O VINHO DA DISCÓRDIA




                A noite fora boa. 9 litros de vinho tinto seco chileno. Queijo de cuia. Uma galera animada pra beber. Começou nos primeiros sons do meião, tocou o Tambor da Lua, ZéMaria, Omar, Saci e o vinho pegado. Uma sessão de diamba acompanhou a alegria. Fim de noite.  O público d’A Vida é Uma Festa se dispersa. Os mais resistentes renitentes amanhecem numa conversa entrecortada de risos, bebida, música e sol.
                - E aí vai dormir?
                - Não, vou pegar uma na Lulu.
                - Vou em casa.
                Despediram-se. Antes Felinto chamou Aires: Vou deixar essas 2 garrafas que sobraram, mais tarde a gente bebe, guarda pra mim.
                Lentamente o sol sobe o arco do tempo enquanto espalha sua generosa energia, o dia é agora uma chapa aquecida e uns e outros acordam ressacados, sedentos, cheios de álcool no corpo, cabeça zonza, estômago revolto entre faminto e enjoado.
                - Quer se sentir bem? Vamos tomar uma gelada o Irmão.
                É quase instantâneo o fim do mal estar e o reinício da fluidez etílica, foi-se a dor de cabeça, estômago, mau humor.
                Xexéu vasculhando o casarão encontrou as duas garrafas, Faísca jogava xadrez com Hena e outros se acumulavam na torcida e na música.
                -Olha o que eu encontrei!!
                -Viiinho. Abre logo. Faísca exultara, lembrava-se do sabor agradável do líquido e naquele momento era tudo.
                A rolha foi sacada rapidamente e os copos parcimoniosamente enchidos. Tempo passa. Jogo bom. Conversa boa. Vinho bom. Vinho acaba.
                - Traz o outro Xexéu.
                Logo o líquido vermelho entornava os copos. A noite se aproxima.
                Felinto acordou. Nem os fatos da noite anterior se lembrava com exatidão. Mas as duas garrafas guardadas vieram-lhe à memória como um primeiro pensamento. Enquanto escovava os dentes, penteava os cabelos e ouvia as advertências da mulher descontente com as noites fora de casa do marido, quase que sentia o sabor acre do vinho e a cura que ele faria daquele completo mal estar. Ensaiou um cafezinho e desceu rumo a Praia Grande, o suor pegajoso da ressaca e uma certa dor no coração, que o médico teimava em dizer que não doía, mas que dói, dói e muito, se essa porra parar, parou. Nada que um bom vinho não resolva. Antecipava o prazer.
                Quando dobrou o beco já viu a algazarra em torno do tabuleiro, todos em festiva bebedeira, tocando, cantando, conversando, trocando umas ideias, sua alegria foi ao máximo, além do vinho a rapaziada: tudo de bom. Percebeu o litro seco.
                - Cadê o meu vinho. Vamos tomar.
                - Já tomamos. Faísca com o olhar e a língua bêbada ria diante do acontecido.
                Felinto demorou alguns segundos enquanto caía a ficha, a medida que percebia a real situação aumentava a frustração, o coração acelerou-se injetado de adrenalina, a raiva tomou-lhe conta da cabeça e explode:
                Eu te mato Faísca.
                O grupo cai na risada.